Conseguir registrar o depoimento emocionado dessa jovem senhora não foi uma tarefa fácil , nem para mim (sua dermatologista) e nem para ela. Eu passei meses tentando convencê-la a escrever e me autorizar a divulgar a sua história, para que o ocorrido com ela sirva de alerta e ajude outras pessoas. Difícil para ela, uma vez que precisou reviver toda a dor ao resgatar os fatos da memória e passar para o papel. Mas ,como a história que vão ler comprova, ela é uma guerreira que conseguiu superar a doença e o medo de falar sobre o assunto quando percebeu que informações médicas muitas vezes são encaradas como sermão pelos pacientes, e ler sobre um fato real poderia sensibilizar mais pessoas e ajudar a salvar muitas vidas.
Conheçam Marisa Giubilei Braghini e sua história.
“Cumprimento a todos da Dermatologia & Saúde pelo nobre trabalho que têm desempenhado e agradeço a oportunidade de estar aqui falando de um assunto de suma importância. Discorrer a respeito dessa enfermidade que me acometeu pode até ser doloroso, por relembrar de momentos que jamais gostaria de passar novamente, mas por outro lado, tenho por obrigação expor minha dolorosa experiência para que as outras pessoas, cautelosamente, incitem a se precaverem do melanoma.
Na realidade, quando eu procurei a Dra. Alice Leal, endocrinologista na USP, eu tinha 45 anos e muita queda de cabelo. Esse foi o motivo que a procurei, pois me aborrecia muito. Era o tipo de médica que conversava somente o necessário, mas de pronto, já percebi bastante competência. Após o exame geral, ela me disse que havia uma mancha nas minhas costas e que era para eu procurar um dermatologista o mais breve possível. Senti, então, naquele momento a urgência de outra consulta e com uma pitada de decepção eu pensei: ̈Nossa, vim para ver uma coisa e estou saindo com outra”.
Pediu-me vários exames de sangue e nenhum remédio que me satisfizesse para a calvície. Bem, as coisas começaram a caminhar diferente. No prazo de 15 dias aproximadamente, estava no consultório do Dr. João Carlos Simão, dentro da USP mesmo. Médico jovem, mas que transmitia segurança no que falava, aliado a uma grande educação que lhe era peculiar. Fez-me no mesmo dia a retirada da mancha para biopsia. Disse que me telefonaria quando ficasse pronto. Poucos dias depois ele liga no meu serviço, dizendo que gostaria de conversar comigo o mais breve possível e que provavelmente eu precisaria passar por cirurgia.
Bastante ético, disse-me de forma bem amena, só que eu já pressentia nada de bom e meu coração disparou. Desliguei o telefone e comecei a chorar, meio desequilibrada, e fazia perguntas para a minha melhor amiga de trabalho: “Você acha que ele iria me telefonar aqui á toa? Você acha?”. Minha querida amiga arregalava os olhos e só movia a cabeça com um ar de “sim”.
Saí do guichê de caixa, onde trabalhava na época, e subi para o andar superior onde o gerente se encontrava e estava à minha espera. Sem saber ainda do resultado, soluçava muito, não conseguindo manter muito diálogo. Vendo-me naquela situação me dispensou na mesma hora. Bom, desse dia em diante, mal sabia eu o quanto iria precisar ir e voltar com médicos por muitos anos. De volta ao consultório do Dr. João Carlos, ele me explicou com muita calma. Não consegui assimilar de pronto o que estava acontecendo, estava muito nervosa.
Ele foi bastante claro que a parte dele, por enquanto, tinha acabado, e que eu deveria procurar um oncologista. Passou-me o nome do Dr. Sérgio Serrano, médico experiente. Com ele me senti meio que jogada ao destino, não por culpa dele, mas por culpa minha mesmo, que parecia relutar por não entender muito bem a gravidade do caso. Disse-me que teria que fazer mais uma cirurgia para a retirada do tumor. Seria no Hospital São Lucas e ele estaria com a equipe dele. Não era ele quem iria realizar, e sim um cirurgião plástico, contudo iria acompanhar a cirurgia. Tentou me tranquilizar dizendo que daria tudo certo.
Era tudo muito novo, tudo muito estranho. Minha cabeça dava voltas. Em julho de 2005, me encontrava na DIMEN – Instituto de Medicina Nuclear. Antes da cirurgia tive que fazer alguns exames que dariam respaldo na remoção do tumor. Vale lembrar que, até então, eu não tinha noção da gravidade e nem do tamanho da cirurgia que haveria de acontecer. Manchinha pequena que virou 33 pontos. Esse tumor havia passado a epiderme, portanto poderia ter probabilidade de ser instalado metástase. Eu continuava pisando no ar. Talvez eu tivesse colocado um bloco de defesa no meu peito para que eu pudesse continuar o tratamento. Não tinha vontade de chorar.
Em 2005 meus filhos ainda eram relativamente pequenos. Meu mais velho tinha 12 anos, o do meio contava com 7 anos e minha caçula com 5 anos. Os três sentiram muito, mas aquela que estava sofrendo mais que o Marcos e Henrique era Natália. Meses depois fiquei sabendo que ela não brincava no recreio. Ficava sentadinha em um canto, sozinha e dizia “estar estar com saudades da mamãe”. Isso doeu mais que as finas agulhas que me foram postas nas costas para aplicar o contraste na medicina nuclear. Mas nem por isso Marcos e Henrique se ausentaram. Os três sempre se mantinham presentes e em minha companhia. Meu marido, José Marcos, com o semblante sempre preocupado e de pouca conversa, sustentou-me o tempo todo. Teve incansável paciência comigo, desde a primeira internação até os dias de hoje. Temos pessoas que são verdadeiros sustentáculos e a gente só nota depois que passa a tempestade. Meu marido foi o maior deles.
Na volta da anestesia passei muito mal. No quarto percebi que só as costas é que estavam com pontos. Na hora agradeci muito a Deus por não ter sido outras partes do corpo decepadas. Não quis fazer pesquisas a respeito da doença. Tinha medo. Preferi tirar informações sempre com os médicos. E aos poucos fui conhecendo a realidade da situação e entendendo que é muito decepcionante não fazer prevenção de qualquer tipo de doença, seja qual for, por pura ignorância. Em 2006 tive uma recidiva. Menos traumática do ponto de vista das informações, contudo do ponto de vista físico, doloroso também, porque houve a retirada da cicatriz inteira.
Por muito tempo tive que fazer o tratamento com muita seriedade. Esse tratamento incluía os raios X, exames de sangue e ultrassom, no início de três em três meses, e só bem mais tarde que houve espaçamentos de quatro em quatro e depois de seis em seis meses. Nesses dois últimos anos – 2015 e 2016, é que o exame foi feito anual. A orientação era unânime: não sair na rua ou para qualquer outro lugar sem passar bloqueador solar. Com isso fui proibida de andar no sol sem o protetor e por tempo restrito, tomar sol após as 10hs, mesmo com roupas.
Afastei-me das diversões mais básicas, como frequentar uma piscina com meus filhos. Esse foi o ponto nefasto da história. Participei muito pouco das brincadeiras ao ar livre com eles por alguns anos. Talvez na época que eles mais precisaram de mim, eu não estava lá para ficar com eles.
Nas situações mais graves que pareça acontecer com você, não pense que são os outros que sofrerão por você. A tarefa é tua. Siga todos as boas orientações possíveis que estão ao teu alcance; faça a tua parte trabalhando pro teu próprio bem, executando todas as precauções possíveis; confie naqueles que podem te ajudar a resolver teu problema (principalmente o teu médico assistente) e o mais importante e o mais sublime, depois de tudo isso, coloca-te nas mãos do Pai Criador e entrega-te com toda a tua fé que ele te ajudará nas horas mais difíceis e nos momentos mais ásperos da tua vida”.